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Outro dia apanhei-me a rever o Marie Antoniette da Sofia Coppola; hoje voltei à banda-sonora do filme e acredito que não há nada mais fabuloso do que entrar numa Versalhes cor de rosa ao som de The Strokes, Gang of Four, The Cure ou New Order. O filme é isso: uma aproximação ao passado através dos sonhos de uma geração de estrelas pop, que olham o passado com uma saudosa intensidade; aliás, isto devia ter sido a epígrafe do filme:
“- O que é que queres ser quando fores grande?
- Rainha.”
Abre-se logo espampanante naquela longa enumeração de calçados, extravagâncias e doçaria ao som de I Want Candy (Bow Wow Wow) – a declaração de intenções do filme. Coppola parece que faz questão de que seja tudo feminino, urgente, cor-de-rosa, amoroso, pop e distorcido; arrisco-me a dizer que este filme é o regresso da Sofia aos seus sonhos de adolescente. Ela mexe na história, remexe na música (até teve de pedir ao amigo Kevin Shields que desse outra roupagem à popalhada dos Bow Wow Wow), dá outro significado aos mitos e quer que o antigo seja o novo e fez assim o seu melhor filme adolescente. Kirsten Dunst é a cara (e que cara!) deste sonho de menina e mostra-se: avassaladora, nada contida, frágil na sua pontinha de sexualidade e atrevimento e sempre à flor da pele. Até a música está ali para acontecer à flor da pele; ela habita no filme não por lógica, mas porque fica fixe assim. É um filme que tem lá dentro uma realizadora e todas as suas fantasias e isso é de valor numa altura em que a banalidade e a falta de compromisso realizador/filme invadem os cinemas todas as semanas.
A Sofia é aquilo que o seu universo diz: ora histérico, ora melancómico faz-nos o gosto aos olhos com as pequenas coisas bem enfeitadas. A realizadora quis tirar a Maria Antonieta da guilhotina para lhe dar um videoclip - e acreditem que ela nasceu para isto -, tanto que o filme não acaba em sangue, mas sim num cenário destruído pelo All Cats are Grey dos The Cure. Prefiro o Lost in Translation e o The Virgin Suicides (dois filmes de uma vida), mas este é eterno por ser daqueles filmes que informalmente tem tudo no sítio. É para ser visto à flor da pele, como os sonhos.
Pedro Ramalhete
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