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1. Os monumentos da cidade estavam diferentes. Falou-se numa pintura - e há olhos que ainda hoje vêem assim, alguns mandatos depois.
Os monumentos da cidade estavam diferentes, sim, disso ninguém duvidava, mas o engenheiro da autarquia não percebia o porquê.
"Acho que há uma chuva que faz isto aos edifícios; é uma chuva rara. Deixemos, no entanto, que eles pensem no nosso cuidado."
O engenheiro tinha razão numa coisa: não era uma nova pintura, nem o seu oposto, um desgaste da velha pintura. Era uma espécie de véu que não se via, mas dava-se por ele.
Os mais esotéricos, ou simplesmente sonhadores, sentiam este fenómeno em todas as coisas: nas árvores, nos pássaros ou, principalmente, nos estranhos.
Sabe-se hoje que não foi trabalho da autarquia, nem um fenómeno meteorológico; houve manipulação, claro, e os dias de chuva ou de sol passaram a sentir-se de maneira diferente, mas o gatilho foi outro: alguém começara a cantar.
2. Uma das cadeiras do curso tinha o nome da cantora, o que entusiasmou muito os alunos.
Na primeira aula, o professor, diante de um desenho do corpo humano, apontava para o diafragma com um ar sério; a turma reagiu com surpresa. Ele continuava a apontar e a falar; mas nem rosário de penas, nem nada. Os alunos acabaram a aula a conter o riso; já no corredor, então riram e riram agarrados à barriga...
3. Ouve-se a voz mais forte e deixa-se de ouvir as outras - essas, sem alternativa, metem os papéis para ecos.
Ouve-se aquela voz e queremos passar a ouvi-la no lugar do chilrear dos pássaros ou do som que faz um mármore à chuva.
Digno de enfurecer Deus, caso não tivesse sido Deus.
Este é um texto sobre Amália Rodrigues.
António Trindade Vieira
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